domingo, 6 de fevereiro de 2011

CAPACIDADES

APAE ESCOLA MIGUEL SLAIBI
Maria Thereza Vieira Pinto Alves

PROPOSTAS DE DEFINIÇÃO DAS CAPACIDADES LINGÜÍSTICAS A SEREM DESENVOLVIDAS PELOS ALFABETIZANDOS


Devemos rever práticas ainda contraditórias no campo da alfabetização e superar a permanente nostalgia em relação a práticas do passado, que, no entanto, demandam alargamento de concepções. Por essa premissa, a proposta que se segue estará centrada nos eixos mais relevantes que devem ser considerados em um ciclo de alfabetização:
(1) compreensão e valorização da cultura escrita;
(2) apropriação do sistema de escrita;
(3) leitura;
(4) produção de textos escritos;
(5) desenvolvimento da oralidade.

Todas capacidades estarão organizadas da mesma maneira. Inicialmente, apresentam-se, num quadro, as capacidades mais gerais a serem desenvolvidas, distribuídas de acordo com os três anos do Ciclo Inicial de Alfabetização. Essa distribuição, evidentemente, não é rígida. Ela mostra, apenas, em termos ideais, o momento do Ciclo em que se deve privilegiar o desenvolvimento da capacidade. Nos quadros, a ênfase a ser atribuída ao trabalho com cada capacidade está simbolizada através de dois recursos gráficos:
1) A gradação dos tons de cinza.
O tom mais claro significa que a capacidade deve ser introduzida, para possibilitar a familiarização dos alunos com os conhecimentos em foco, ou retomada, se já tiver sido objeto de ensino-aprendizagem em momentos anteriores. O médio significa que a capacidade deve ser trabalhada de maneira sistemática, com vista ao domínio pelos alunos. O tom mais escuro significa que a capacidade, tendo sido trabalhada sistematicamente, deve ser enfatizada de modo a assegurar sua consolidação.
2) As letras inseridas nas quadrículas.
A letra I significa introduzir; a letra R, retomar; seu uso no quadro indica que a capacidade deve merecer ênfase menor, sendo ou introduzida ou retomada, conforme o caso (introduzir a novidade; retomar eventualmente o que já tiver sido contemplado). A letra T significa trabalhar sistematicamente. A letra C, consolidar.

Deve-se ressaltar que as aprendizagens relativas às capacidades apontadas não constituem etapas a serem observadas numa cadeia linear. Elas são simultâneas e exercem influência umas sobre as outras. A apresentação seqüencial se deve apenas à necessidade de organização e busca de clareza na exposição. Além disso, é sempre necessário que o professor considere qual a melhor organização e seqüenciação, tendo em mente a efetiva situação de aprendizado de seus alunos.


1. COMPREENSÃO E VALORIZAÇÃO DA CULTURA ESCRITA

Nesta seção são focalizados alguns fatores e condições necessários à integração dos alunos no mundo letrado. Trata-se do processo de letramento, que deve ter orientação sistemática, com vista à compreensão e apropriação da cultura escrita pelos alunos. Indicam-se aqui conhecimentos gerais e capacidades a serem adquiridos e sugerem-se, rapidamente, procedimentos pedagógicos que podem ser adotados para a realização desses objetivos.
Como já foi dito na Introdução, ressalta-se que o trabalho voltado para o letramento não deve ser feito separado do trabalho específico de alfabetização. É preciso investir nos dois ao mesmo tempo, porque os conhecimentos e capacidades adquiridos pelos alunos numa área contribuem para o seu desenvolvimento na outra área.
Buscando a visualização disso é que foi feita a gradação dos tons de cinza do Quadro 1. O conhecimento e a valorização da circulação, dos usos e das funções da língua escrita na sociedade são capacidades que devem ser trabalhadas, com vista à consolidação, nos três anos do Ciclo, ainda que isso se faça com estratégias didáticas diferenciadas a cada ano. Já as capacidades necessárias para o uso dos materiais de leitura e escrita especificamente escolares devem ser tratadas sistematicamente e consolidadas logo na chegada das crianças e mantidas, retomadas, sempre que necessário, até a Fase II.


Quadro 1
Compreensão e valorização da cultura escrita
Conhecimentos e capacidades a serem atingidos ao longo do
Ciclo Inicial de Alfabetização


Conhecimentos e capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
Conhecer, utilizar e valorizar os modos de produção e circulação da escrita na sociedade I/T/C T/C T/C
Conhecer os usos e funções sociais da escrita I/T/C T/C T/C
Conhecer os usos da escrita na cultura escolar I/T/C T R
Desenvolver as capacidades necessárias para o uso da escrita no contexto escolar: I/T/C T R
(i) Saber usar os objetos de escrita presentes na cultura escolar I/T/C T R
(ii) Desenvolver capacidades específicas para escrever I/T/C T R



2. APROPRIAÇÃO DO SISTEMA DE ESCRITA

Esta seção trata dos conhecimentos que os alunos precisam adquirir para compreender as regras que orientam a leitura e a escrita no sistema alfabético bem como a ortografia da língua portuguesa. São apresentadas aqui algumas capacidades importantes para a apropriação do sistema de escrita do português e que devem ser trabalhadas de forma sistemática em sala de aula.

Quadro 2
Apropriação do sistema de escrita
Capacidades a serem atingidas ao longo do Ciclo Inicial de Alfabetização


Capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
Compreender diferenças entre a escrita alfabética e outras formas gráficas I/T/C R R
Dominar convenções gráficas: I/T/C R R
(i) Compreender a orientação e o alinhamento da escrita da língua portuguesa I/T/C R R
(ii) Compreender a função de segmentação dos espaços em branco e da pontuação de final de frase I/T/C R R
Reconhecer unidades fonológicas como sílabas, rimas, terminações de palavras, etc. I/T/C T R
Conhecer o alfabeto: I/T T/C R
(i) Compreender a categorização gráfica e funcional das letras I/T T/C R
(ii) Conhecer e utilizar diferentes tipos de letra (de fôrma(*) e cursiva) I/T T/C R
Compreender a natureza alfabética do sistema de escrita I/T T/C R
Dominar as relações entre grafemas e fonemas I T/C T/C
(i) Dominar regularidades ortográficas I T/C T/C
(ii) Dominar irregularidades ortográficas I I/T T/C

(*) Utilizamos intencionalmente a grafia “fôrma”, com acento circunflexo. Embora não conste do Vocabulário Ortográfico da ABL, esta grafia é necessária para se distinguir a palavra “fôrma” da homógrafa “forma”.



3. LEITURA

Nesta seção estão focalizadas as capacidades específicas do domínio da leitura.
A concepção de leitura que orientou a elaboração desta seção foi a de que se trata de uma atividade que depende de processamento individual, mas se insere num contexto social e envolve disposições atitudinais, capacidades relativas à decifração do código escrito e capacidades relativas à compreensão, à produção de sentido. A abordagem dada à leitura, aqui, abrange, portanto, desde capacidades necessárias ao processo de alfabetização até aquelas que habilitam o aluno à participação ativa nas práticas sociais letradas, ou seja, aquelas que contribuem para o seu letramento.
Por isso, o Quadro 3 e os verbetes que se seguem retomam e desdobram alguns itens das seções anteriores, acrescentando a eles a indicação e descrição de capacidades particularmente necessárias à compreensão dos textos lidos.


Quadro 3
Leitura
Capacidades a serem atingidas ao longo do Ciclo Inicial de Alfabetização


Atitudes e capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
Desenvolver atitudes e disposições favoráveis à leitura I/T/C T/C T/C
Desenvolver capacidades relativas ao código escrito especificamente necessárias à leitura I T/C T/C
(i) Saber decodificar palavras e textos escritos I T/C T/C
(ii) Saber ler reconhecendo globalmente as palavras I T/C T/C
Desenvolver capacidades necessárias à leitura com fluência e compreensão: I/T/C T/C T/C
(i) Identificar as finalidades e funções da leitura em função do reconhecimento do suporte, do gênero e da contextualização do texto I/T/C T/C T/C

(continua)

Atitudes e capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
(ii) Antecipar conteúdos de textos a serem lidos em função do reconhecimento de seu suporte, seu gênero e sua contextualização I/T/C T/C T/C
(iii) Levantar e confirmar hipóteses relativas ao conteúdo do texto que está sendo lido I/T/C T/C T/C
(iv) Buscar pistas textuais, intertextuais e contextuais para ler nas entrelinhas (fazer inferências), ampliando a compreensão I/T/C T/C T/C
(v) Construir compreensão global do texto lido, unificando e inter-relacionando informações explícitas e implícitas, produzindo inferências I/T/C T/C T/C
(vi) Avaliar afetivamente o texto, fazer extrapolações I/T/C T/C T/C
(vii) Ler oralmente com fluência e expressividade I T C



4. PRODUÇÃO ESCRITA

Esta seção trata especialmente das capacidades necessárias ao domínio da escrita, considerando desde as primeiras formas de registro alfabético e ortográfico até a produção autônoma de textos.
A produção escrita é concebida aqui como ação deliberada da criança com vista a realizar determinado objetivo, num determinado contexto. A escrita na escola, assim como nas práticas sociais fora da escola, deve servir a algum objetivo, ter alguma função e dirigir-se a algum leitor.
Assim como foi feito na seção dedicada à leitura, o Quadro 4 e os verbetes relativos à escrita retomam e desdobram alguns itens das seções 1 (compreensão e valorização dos usos sociais da escrita) e 2 (capacidades motoras e cognitivas relativas ao domínio do princípio alfabético e do sistema ortográfico do português), acrescentando a eles a indicação e descrição de capacidades específicas do domínio da escrita na produção de textos.
Também como foi feito com relação à leitura, incluem-se aqui desde capacidades de escrita a serem adquiridas no processo de alfabetização até aquelas que proporcionam ao aluno a condição letrada, possibilitando-lhe a participação ativa nas práticas sociais próprias da cultura escrita.

Quadro 4
Produção escrita
Capacidades a serem atingidas ao longo do Ciclo Inicial de Alfabetização


Capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
Compreender e valorizar o uso da escrita com diferentes funções, em diferentes gêneros I/T/C T/C T/C
Produzir textos escritos de gêneros diversos, adequados aos objetivos, ao destinatário e ao contexto de circulação: I/T/C T/C T/C
(i) Dispor, ordenar e organizar o próprio texto de acordo com as convenções gráficas apropriadas I T T/C
(ii) Escrever segundo o princípio alfabético e as regras ortográficas I T T/C
(iii) Planejar a escrita do texto considerando o tema central e seus desdobramentos I/T/C T/C T/C
(iv) Organizar os próprios textos segundo os padrões de composição usuais na sociedade I/T/C T/C T/C
(v) Usar a variedade lingüística apropriada à situação de produção e de circulação, fazendo escolhas adequadas quanto ao vocabulário e à gramática I/T/C T/C T/C
(vi) Usar recursos expressivos (estilísticos e literários) adequados ao gênero e aos objetivos do texto I/T/C T/C T/C
(vii) Revisar e reelaborar a própria escrita, segundo critérios adequados aos objetivos, ao destinatário e ao contexto de circulação previstos I T T/C

5. DESENVOLVIMENTO DA ORALIDADE

Esta seção focaliza um ponto que só há pouco tempo passou a integrar as responsabilidades da escola: o desenvolvimento da língua oral dos alunos. Só recentemente a Lingüística e a Pedagogia reconheceram a língua falada, de importância tão fundamental na vida cotidiana dos cidadãos, como legítimo objeto de estudo e atenção.
No entanto, vem em boa hora essa novidade, agora incorporada nos documentos oficiais de orientação curricular. Coexistem, em nossa sociedade, usos diversificados da língua portuguesa. É justo e necessário respeitar esses usos e os cidadãos que os adotam, sobretudo quando esses cidadãos são crianças ingressando na escola. Os alunos falantes de variedades lingüísticas diferentes da chamada “língua padrão”, por um lado, têm direito de dominar essa variedade, que tem prestígio e é a esperada e mais bem aceita em muitas práticas valorizadas socialmente; por outro lado, têm direito também ao reconhecimento de que seu modo de falar, aprendido com a família e a comunidade, é tão legítimo quanto qualquer outro e, portanto, não pode ser discriminado.
O Quadro 5 e os verbetes que se seguem apontam algumas capacidades relativas à língua falada que é preciso desenvolver nos alunos do Ciclo Inicial de Alfabetização, para possibilitar a todos a plena integração na sociedade.


Quadro 5
Desenvolvimento da oralidade
Capacidades a serem atingidas ao longo do Ciclo Inicial de Alfabetização


Capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
Participar das interações cotidianas em sala de aula: I/T/C T/C T/C
escutando com atenção e compreensão I/T/C T/C T/C
respondendo às questões propostas pelo professor I/T/C T/C T/C
expondo opiniões nos debates com os colegas e com o professor I/T/C T/C T/C

(continua)

Capacidades

1o ANO
2o ANO
3o ANO
Respeitar a diversidade das formas de expressão oral manifestas por colegas, professores e funcionários da escola, bem como por pessoas da comunidade extra-escolar I/T/C T/C T/C
Usar a língua falada em diferentes situações escolares, buscando empregar a variedade lingüística adequada I T T/C
Planejar a fala em situações formais I T T/C
Realizar com pertinência tarefas cujo desenvolvimento dependa de escuta atenta e compreensão I T T/C


Esta apostila elenca algumas das capacidades que devem ser atingidas pelas crianças no início da alfabetização, procurando orientar o professor quanto ao ano escolar em que essas capacidades devem ser especialmente trabalhadas. Essa proposta se baseia, de um lado, em parâmetros ideais considerados desejáveis e, de outro lado, em experiências de professores com as aprendizagens iniciais da leitura e da escrita. No entanto deve-se ressaltar que cabe à escola e aos professores alfabetizadores analisarem, para cada realidade, quais serão as condições garantidoras dessas aprendizagens, levando em conta, como fator particularmente relevante, as experiências prévias dos alunos com a escolarização e sua familiaridade com a cultura escrita.
O sucesso de um projeto pedagógico de alfabetização depende crucialmente do envolvimento dos profissionais comprometidos com o primeiro ciclo. A esses profissionais é que cabe, afinal, perguntar e responder: quem são as crianças que temos à nossa frente? como trabalhar acreditando que toda criança pode aprender a ler e escrever? que condições serão buscadas para garantir uma alfabetização de qualidade para todos?



REFERÊNCIAS

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SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. (Coleção Linguagem & Educação).

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